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Coluna de Álvaro Sales (Turma 59)

O artista que interpreta quadros clínicos (11/05/2014)

Escolhe-se o quadro. Faz-se o traçado. E várias são as pinceladas que o artista dá para criar sua obra de arte. Um toque dali, um toque de cá. Por um momento, pensa-se se aquela pincelada foi realmente necessária ou se necessário é dar outro retoque. De um canto ao outro, a imagem formada expressa, impressiona, assusta ou tranquiliza o observador.

O Médico nada mais é que um Artista que Interpreta tais quadros clínicos. Com uma aquarela de sintomas e um vasto rol de síndromes, o médico pincela cada diagnóstico e cada prescrição, afim de tornar "O Grito" em sorriso. Sorriso esse, muito menos misterioso que o de nossa Gioconda. 

Volta e meia, surge Dali, quadros surrealistas que ensinam que a Medicina nem sempre segue as proporções vitruvianas. Quadros que exigem relatos, estudos e discussões. Quadros que cada Médico interpreta de sua forma artística e médica de ser. Por falar em proporções, o Cirurgião Plástico segue a risca a métrica e transforma Abaporu em príncipe encantado e arte Cubista em Impressionista. Pinceladas que realçam a aparência e alimentam a autoestima.

Seja no início da Medicina, ainda com Lição de Anatomia, ou já com a Primeira Anestesia com Éter, o Médico inclina-se para dar o melhor diagnóstico e traça no prontuário uma arte, por muitas vezes indecifrável a outros olhos, mas que salva, cura, abraça e inspira pacientes  e outros médicos. De nada importa se no consultório a tinta se faz em medicamento, o pincel em caneta, o traçado em anamnese e o diagnóstico em moldura! O que importa é que a mais bela obra, pintada e diagnosticada com os mais belos dons, é o Paciente! Cabendo-nos, então, interpretá-los para que a Obra de Arte continue exposta nos caminhos da vida. 

 

Preconceito: a pior de todas as loucuras (11/05/2014)

O que seria loucura? O que seria preconceito? Será (ou seria) a loucura pior que o preconceito? Ou o preconceito seria a pior de todas as loucuras?  

Foi em uma visita ao Pronto socorro de um Hospital Psiquiátrico que, coincidentemente ou não, logo na porta de entrada conheci/descobri um paciente, desses que são intitulados de loucos e doentes mentais. Antes mesmo do contato visual, esse mesmo paciente questionou-me sem ao menos saber de onde vim, onde estava e pra onde iria: qual será seu primeiro passo pra acabar com a doença dos loucos no mundo?

Não sabia se era uma pergunta ou uma pedrada na moral e nos “bons” costumes. Como? Como? Como que um “louco” questionaria algo assim? E por que os “não loucos” nem se importam em questionar? Por um instante, as sinapses neuronais se quer funcionaram e se quer sabiam como “repolarizar-se-iam” novamente. Após segundos eternos de autoquestionamento, respondi que o primeiro passo para acabar com a doença no mundo é tratar as pessoas saudáveis( ou que se dizem saudáveis!).

O paciente, então, franziu a testa, olhou pro chão, olhou pra mim e perguntou-me “como assim? Os saudáveis? Tem que tratar a gente que é doido!”. “Tratar as pessoas saudáveis é o primeiro passo, sim! Tratar o preconceito, o egoísmo, a desesperança, o descaso, a inveja, corrupção e muito mais! Depois a gente trata da gente, os loucos!!!”, respondi.O paciente, novamente, me olhou bem no fundo dos olhos, típicos de quem entendeu plenamente. Deu um sorriso e com um jeito daqueles que concedem bênçãos, disse: É...você vai ter que dar muito mais que um passo pra mudar o  mundo.

Como mudar o mundo sozinho se a política é de mundo cão, se desvia-se bilhões em verbas e nega-se milhares em investimento. Hospital Psiquiátrico desumano, sucateado; pessoas largadas à míngua, sim, PESSOAS!( PESSOAS! Você leu direito!); pacientes em surtos trancados e amarrados ( contenção, infelizmente, necessária) sem o mínimo de conforto. Poucos leitos, poucos profissionais de saúde, pouco investimento, pouca humanidade, MUITO PRECONCEITO.

Infelizmente, pouco sabe a população hígida que, na verdade, quem bate mais, quem mata mais, quem rouba tudo são os normais, e quem morre mais, quem sofre mais e quem leva a culpa são os doentes mentais. O que eu faço? O que você faz? Dá um passo ou fica atrás?

 

 

Saudade de mim mesmo (11/05/2014)

O despertador toca às 5:40h da manhã. Levanto, carrego 77 quilos de um corpo que não atinge seu sono REM há tempos. Entro no banheiro, ligo o chuveiro e espero a água quente acordar-me paramais um dia que sequer começou. O banho termina! Saio do Box, limpo o espelho embaçado. Olho bem nos meus olhos fundos e com olheiras, minha barriga aumentada e minha fácie típica de um aluno de Medicina. Por um segundo, olho-me novamente no espelho, e parece que o vejo me perguntar: Ei, você aí! Já pensou em voltar a ser você?

Por assim dizer, todo aluno de Medicina escalona (mesmo que não seja consciente) pelo menos três “EUs”: o de antes,o durante e o depois da graduação. O seu EU das antigas, queria porque queria ser aprovado em um curso de status, de renome, de fibra.  E é bem dizendo, que parece que o EU que existia até mesmo no cursinho simplesmente desapareceu. O mesmo EU que cogitada sobretudo a medicina, o mesmo EU que achava que vivia cansado, ou que quase não saia, ou quase não dormia e que sempre tinha um sonho de sonhador. O mesmo EU que por certo hoje é saudosista.

O seu eu do durante, viu que não é bem assim, que as noites são mal dormidas, que a pressão é constante, e que status só existe pra aluno de pré-vestibular. Como bem dizia Cassimiro de Abreu , “Ai que saudades eu tenho da aurora da minha vida da minha infância querida que os anos (Não Trazem Mais)". Seu EU de agora, volta e meia vive em crise de existência, seja naquele show que tanto aguardou e acabou por cair em  vésperas das provas, ou nos plantões em feriados nacionais ( e mundiais!), ou quem sabe no casamento de um familiar que você sequer pode ir, ou ainda nas festas da Medicina que já perderam a graça. É...Antes agora do que nunca, certo?

E o seu EU do futuro? Um EU que Cogita um status e um descanso semelhante ao seu EU de antes! Ele que planeja um intercâmbio, férias, trabalho bem remunerado e uma boa noite de sono. Esse EU que quer realizar tudo de bom na vida, antes que perca a energia de se sonhar. Ou antes que se atinja aposentadoria!!!  Planos e planos são traçados, mas, muitas vezes, infelizmente, nem sempre são concretizados.

Tantos EUs que nos perdemos em nós mesmos a ponto de querermos ser aquilo que já fomos e aquilo que sonhamos em ser. O difícil é que não existe conto de fadas na Medicina.  Aqui, a Gata Borralheira e a Fera não têm magia que termina depois da Meia noite, aqui existe somente noites de estudos e de plantões. Contudo, vale ressaltar, que é entre altos e baixo que o eletrocardiograma baseia-se. Por tudo isso, mesmo na dúvida de qual EU você quer viver, e de qual EU você tem saudade, lembre-se que seu coração continua a bombear seu sangue, e a bombear sua vontade em ser médico de humanos, de sonhos e de almas.

Escovo então os dentes, tomo café da manhã, volto à Universidade.