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Decorando o coração

Dizem alguns anatomistas por aí que o coração surgiu a partir de várias torções de vasos que foram se rearranjando, adquirindo forma, contratibilidade e por fim, sentimento. Desde a pedra polida até hoje, o coração é mais que um simples órgão que bate, que palpita ou que infarta. Está sempre associado ao melhor e ai pior dos sentimentos: o amor! Falemos um pouco da anatomia do sistema cardiocirculatório,  bem como a anatomia do amor.

          Desde quando as minhocas adquiriram o que foi chamado de "circulação fechada", o coração iniciou sua evolução, até que na classe Mammalia, começou a involuir dando origem ao coração humano. Tão pecaminoso que em tempos passados, no Egito, era pesado e medido, e se por ironia do destino alguém sofresse de hipertensão ou qualquer outra cardiopatia e extrapolasse as medidas padrões, estaria condenado automaticamente ao inferno. Que pena maldita! Ou maldito seriam os corações do clero que sacrificaram tantos pagãos por aí? 

          O coração humano é composto por dois tipos de cavidades: átrios e ventrículos. Irônico, não? Acreditava-se (e muita gente ainda acredita!) que o coração era o centro das emocões, como se o átrio fosse o "id" ( ausente de autojulgamento,  já que exerce função passiva no coração)  e o ventrículo fosse o "superego" ( aquele que te coloca pra andar na linha e te faz dormir se sua fisiologia está errada). Não sei se estou certo, mas Freud explica, ele sempre explica! 

          Dizem que "decorar" é colocar no coração o que torna certo quando os professores chatos dizem: Vocês não devem decorar, e sim aprender! Poxa, agora fiquei confuso! Então, se eu preciso aprender, primeiro é necessário colocar no coração e depois mandar para o cérebro? Não sei, mas acredito que o amor não vai pro cérebro; na verdade fica alojado feito Trypanosoma cruzi ali mesmo no coração causando lesões, imprimindo memórias e fibrosando o passado. Fazendo dos nossos traços escalariformes (ponte que promove excitabilidade em duas almas), escadas sem degraus; bem como transformando o nó sinoatrial e atrioventricular (os que geram nossas emoções!) em nós cegos, apertados e inflexíveis!

           E de onde surgiu a expressão " você só tem ódio no coração"?  Plagiando Einstein, escuridão é mera ausência de luz, logo, ódio é mera ausência de amor no coração, ou talvez de oxitocina que, segundo vários pesquisas, é o "hormônio do amor". Talvez por toda essa história e todos esses fatos, o coração continua sendo tão discutido e tão associado às emoções. O fato é que, não importa se o cérebro comanda realmente as emoções ou se o coração simplesmente bombeia o sangue, o que  vale ressaltar é que sem o coração seu cérebro não alimenta e sem o cérebro o coração nunca seria associado às emoções.

           A circulação humana é fechada, composta por veias e artérias que se anastomosam formando uma rede circulatória complexa e necessária à vida. Sendo assim, baseie-se em sua circulação pra viver: esteja fechado aos sentimentos ruins e aos preconceitos, mas esteja aberto às novas ideias e a novos ideais; esteja disposto a viver conectado às várias pessoas, recebendo e doando quando necessário; esteja apto a exercer sua função, seja levar algo a um outro coração ou receber algo, mesmo que simples, de um outro simples coração. Lembre-se que por mais que seja difícil a anatomia do coração, bem como a anatomia do amor, e o quão feio seja decorar nomes como "músculos papilares, músculos pectíneos, cordas tendíneas, artérias coronárias", há grandes motivos deles estarem vivos e há grandes motivos de você também estar.

 Autor: Álvaro Sales