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Importação de médicos estrangeiros: da ilha de Fidel ao interior do Brasil

O governo da presidente Dilma Rouseff está negociando com outros países, como Portugal e Espanha, a importação de médicos estrangeiros para trabalhar no interior do Brasil. No início deste mês de maio foi veiculada a notícia de que 6.000 médicos cubanos viriam trabalhar no país. A vinda desses médicos seria necessária para suprir a demanda de profissionais de saúde em diversas regiões do território nacional, já que o número de médicos existentes aqui seria insuficiente. Após a abertura de dezenas de escolas médicas nos últimos anos e a criação do PROVAB (Programa de Valorização da Atenção Básica), o governo federal tenta novamente resolver a situação da saúde pública brasileira.

A proposta preliminar, de acordo com o atual Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, é que esses médicos estrangeiros recebam um registro CRM temporário, com validade de três anos, período no qual podem tentar a validação do diploma, e ainda uma bolsa fixa de alguns milhares de reais todo mês. Diante de tais circunstâncias cabe avaliar se esta é, realmente, uma medida eficaz para sanar os problemas do nosso sistema público de saúde.

Em primeiro lugar é válido discutir se o número de médicos no país é insuficiente para assistir toda a população brasileira. De acordo com relatório do Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2010 havia 364.946 médicos para uma população de 193.252.604 de habitantes, o que correspondia a uma taxa de 1,9 médicos por mil habitantes. Segundo a projeção ‘‘Concentração de médicos no Brasil em 2020’’, que compõe o estudo ‘‘Demografia médica no Brasil’’, do CFM e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), mesmo antes da abertura de mais 2.415 novas vagas em cursos de medicina determinada pelo governo federal no ano de 2012, o Brasil atingiria em 2020 a razão de 2,20 médicos para cada mil habitantes. Além disso, entre o ano de 2020 e o de 2028, a razão projetada de médicos subiria de 2,20 para 2,53. De 1970 a 2011 a população de médicos cresceu 530%, enquanto que a população brasileira 104%. Sem nenhuma fundamentação científica e utilizando comparações primárias com taxas de médico/habitante de outros países, o governo federal insiste no número de 2,5 médicos/1.000 habitantes para o Brasil, o que, pelas projeções do estudo, já seria atingido com o passar dos anos. O problema não está na razão de médicos/habitantes e sim na distribuição desses profissionais no território nacional. A maior parte dos médicos está concentrada nas regiões Sudeste e Sul, principalmente nos grandes centros urbanos, enquanto que muitas populações do interior do país continuam desassistidas, como acontece na região Nordeste. Os médicos não querem se arriscar nos municípios do interior devido às péssimas condições de trabalho. Muitas vezes as estruturas são precárias, há falta de equipamentos e remédios, ocorre atraso nos salários e o plano de carreira é insatisfatório.

A medida de importação de médicos estrangeiros proposta pelo governo é uma forma imediatista e populista de contornar a situação atual do sistema de saúde no interior do país sem investir em soluções a longo prazo que solucionariam a má distribuição de médicos e a falta de estrutura da saúde em geral.  Não há problema em médicos formados no exterior exerceram legalmente a medicina aqui no Brasil caso tenham seu diploma validado e um certificado de proficiência na língua local, como ocorre nos EUA. Sem consultar qualquer órgão representativo da classe médica, como o CFM, a FENAM e a ABM, o governo federal decretou que os médicos vindos de Cuba não precisam passar pelo Revalida, a prova de revalidação de diploma famosa por reprovar grande parte de seus participantes, para exercer sua profissão nos municípios do interior e, além disso, também não necessitam do certificado de proficiência na língua portuguesa. O governo coloca em risco a população mais humilde que depende do sistema público de saúde ao permitir a entrada desses médicos sem avaliar sua formação, que muitas vezes, é insuficiente, com uma grade curricular totalmente distinta das escolas médicas nacionais e que não tem como foco o estudo de muitas doenças endêmicas presentes no Brasil e do próprio Sistema Único de Saúde (SUS).

Não se pode desacreditar o sistema de saúde cubano que é reconhecido mundialmente, entretanto isso não quer dizer que os médicos formados nesse país tenham uma boa formação. Em Cuba formam-se todos os anos milhares de médicos de diversos países da América Latina, África e Ásia, inclusive do Brasil. Muitos estudantes brasileiros são enviados pelo governo federal para fazer sua graduação na ilha de Fidel. Como tantos outros estudantes brasileiros cursando medicina em outros países da América Latina, como Bolívia e Argentina, a grande maioria dos que estão em Cuba também não tiveram a capacidade de ingressar em uma escola médica nacional. Recentemente o Paraguai rejeitou a entrada de médicos cubanos em seu país com o argumento de que estes possuem uma formação medíocre. Segundo o reitor da Faculdade de Medicina Nacional do Paraguai, ‘‘médicos cubanos tem habilidades e conhecimentos de um licenciatura em enfermagem’’.  Além disso, essa proposta de importar médicos estrangeiros para o interior do país, especialmente os cubanos, não passa de uma grande estratégia do governo federal para manipular as populações mais carentes dessas regiões em prol do Partido dos Trabalhadores (PT), como aconteceu na Venezuela e o governo de Hugo Chavez.

Essas medidas populistas e imediatistas do governo federal não são eficazes e o sistema público de saúde nunca será satisfatório caso não haja mais investimentos e valorização dos profissionais formados no território nacional. É fácil para nossos políticos sorrir das janelas dos hospitais Sírio-Libanes e Albert Einstein enquanto que a população humilde sofre dependendo do sistema único de saúde e, como quer nossos governantes, tendo consultas em espanhol com os médicos cubanos. Se querem trabalhar em nosso país trabalhem, mas que seja de forma legal e revalidado. A luta pela manutenção do Revalida é essencial para evitar mais calamidades na saúde brasileira.

Thalles Braga Fonseca